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C.Caç. 2381 - OS MAIORAIS




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… E CINQUENTA E UM ANOS JÁ SE FORAM!

Parece que foi ontem, mas já lá vão cinquenta e um anos de vida. A nossa chegada a Bissau deu-se a 6 de Maio de 1968. sabemos que pelo menos 37 dos nossos já partiram para a outra vida. Muitos, nunca dram sinal de vida, o que é compreensível, pois a guerra deixou-nos marcas dolorosas difíceis de apagar; alguns, já não se sentem com coragem para "fazerem" os quilómetros que nos separam, para se juntarem a nós neste dia de convívio anual, outros, a doença que os corrói impede-os de se juntarem a nós. Mas ainda há alguns, muitos, que aí estão todos os anos para o fraternal abraço, dois dedos de conversa e um almoço bem servido.

Desta vez, paramos na Quinta do Codorno, nos arredores de Alenquer. estava um lindo dia de sol, um dia propício para trinta e três Maiorais e suas famílias num total de 73 convivas, se juntarem  para conviverem e marcar novo encontro para o ano que vem.

Em 2020 comemoramos cinquenta anos de regresso, que se concretizou no dia 9 de Abril de 1970

O Encontro comemorativo será no mesmo local, ou seja, na Quinta do Codorno em Alenquer, no dia 18 de Abril de 2020.

Contamos com o esforço de todos os Maiorais que têm resistido ao tempo para estarem presentes com o seu grito de vida

José Teixeira(Enf)


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O REGRESSO, PASSADOS 40 ANOS

 

 

DIA 8 DE ABRIL DE 1970 – O REGRESSO À MÃE PÁTRIA.

Uf. Cheguei !

Não. Ainda não cheguei.

Estou estacionado no Tejo, mais propriamente no Mar da Palha. Ali, mesmo ao lado de Lisboa.

É noite. Ao longe a marginal iluminada convida-nos a entrar, abrindo-nos as portas de regresso. Os automóveis da noite relembram-nos outras noites, em Lisboa, no Porto, na terra de cada um desde o Minho ao Algarve. Já lá vão dois anos.

Para lá se dirigem milhares de olhos. Os comentários “apimentados” sucedem-se. Há quem aposte que já vê a família lá ao longe no cais que se imagina para além da curva do rio.

Podíamos ter desembarcado hoje. O destino que alguém ainda controla marcou a hora do desembarque. O NIASSA ao avistar a costa reduziu a velocidade. Entrou na Barra ao pôr-do-sol e estacionou, para raiva dos milhares de homens que queriam fugir daquele mundo e esquecer para sempre aqueles dois anos na Guiné.

Como estavam enganados! Comprova-se hoje, nos encontros de convívio das Companhias e dos Batalhões, das tabancas e tabanquinhas que vão surgindo aqui e além. Nos grupos organizados que todos os anos, agora de forma voluntária, se deslocam à Guiné, levando amizade e fraternidade. Levando os bolsos cheios (leia-se contentores) de coisas úteis para aquela pobre gente que sonhava com a liberdade, como sinal de mudança de vida para melhor e encontraram um inferno ainda maior.

Ali ficamos mais uma noite, às ordens de sua senhoria os “senhores do exército” que naqueles dois anos foram os gestores do nosso destino. Seria a última.

Toda a gente debruçada na amurada do barco. Cotevelada daqui. Empurrão dacolá. Um palavrão pelo meio, porque me estás a calcar oh cabrão!

Cantou-se, dançou-se…sobretudo sonhou-se, bem acordados que estávamos, naquela noite, talvez a mais longa, depois das que tínhamos passado debaixo de fogo. Noite que nunca mais passava. Noite em que aprisionados no meio do Tejo vislumbrava-mos com esperança (quase certa) a liberdade.

A manhã chegou. Os motores do Niassa dão sinal de vida. É o princípio do fim.

 Ao longe, o cais espera-nos.

Não. Não são fantasmas!

São milhares de pessoas expectantes. Muitas delas montaram tenda, sem tendas, naquele lugar, naquela noite, para nos verem chegar.

São os nossos queridos familiares e amigos.

Outros, chegaram com a manhã, cedinho, na esperança de assistirem ao desembarque.

Chegada ao cais. As pernas tremem de alegria, as lágrimas teimosamente deslizam pela face abaixo. Os olhos ávidos de esperança vasculham o cais à procura de um sinal. O sinal combinado para o feliz encontro que teima em não chegar.

Por fim, lá ao longe, uma silhueta, um aceno, um grito de felicidade. Está ali! Está ali!

Aonde? Não o vejo!

Ali ao fundo…

Seguem-se os abraços sem fim. O beijo afectuoso de uma mãe que sempre acreditou. A sua promessa de ir a Fátima a pé, agradecer à Virgem Maria, valeu. A Senhora protegeu o seu filho.

Agora vamos cumpri-la e ele vai comigo. Ai vai, vai!

A esposa que soube esperar e lhe trás o filho que ele ainda não conhecia. A namorada que teve a coragem de resistir por amor.

Ali estão todos. Ah felicidade de um raio! Finalmente chegou o dia do regresso.

Não sei porquê, mas nestas alturas as lágrimas são teimosas e continuam a deslizar pela face ao mesmo tempo que o coração rebenta de alegria e a boca deixa sair as mais ternas palavras de afecto, carinho e amor.

Mas o drama tem mais um acto que é preciso cumprir.

Há que partir para a GMC que nos espera. O comboio especial está em Santa Apolónia á nossa espera.

Porra! Nem agora que chegamos, nos dão uns momentos para a família!

Sim. Depois de ires a Abrantes, entregar a merda da rota e gasta farda e receberes o pré. Oito dias de pré são oito dias e a lei é para se cumprir.

O comboio parte abarrotado de ex-combatentes. Confesso que ainda duvido em me considerar ex-combatente. Ainda não entreguei a farda. “Eles” têm sempre razão. Quem sabe, se…

Àquele barulho ensurdecedor dos milhares de homens que se acotovelam nas janelas do comboio, correspondem os moradores que vêm às janelas, varandas, porta da rua e transeuntes, com acenos de alegria e… com lágrimas. Umas de alegria, outras, quem sabe…talvez de tristeza, porque recordam os seus queridos que estão “perdidos” lá na tal guerra de que nos safámos.

Abrantes. A farda entregue. Qual pré, qual carapuça. Boa noite e meia volta, (já não precisava de bater a pala) ainda a tempo de ouvir o pulha do primeiro-sargento dizer para o cabo que conferiu a farda: “Mais um que se esqueceu de receber o pré.”

Foda-se a guita, quero-me ir embora já!

A caminhada até à estação do comboio, que teimava em não chegar.

Entroncamento e novo comboio que parecia ter substituído os rodados por chancas. Parou em todos os sítios onde havia uma gare.

Por fim, já o sol despontara na manhá seguinte. Se fosse hoje, ouviria, “ senhores passageiros, dentro de momentos chegaremos à Estação das Devesas- Vila Nova de Gaia. Pedimos desculpa pelo atraso”. Mas, não. Gaia surgiu e do lado de lá do rio, o meu Porto.

Foi agora e só agora. Aqui nas Devesas ao ver o Porto ao longe que senti.

Finalmente estou livre, carago!

Passaram quarenta anos. Pensava eu que a Guiné fora uma etapa para esquecer e que a vida continuava.

Com estava errado. A Guiné grudou-se a mim, vive comigo todos os dias e irá comigo para a cova. O meu espírito vagueia por aquelas tabancas, olha de frente aquela gente terna e meiga que me acolheu, quando eu era “agressor” e me acolhe agora com terno carinho, sempre que vou até lá matar saudades.

Zé Teixeira