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C.Caç. 2381 - OS MAIORAIS




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… E CINQUENTA E UM ANOS JÁ SE FORAM!

Parece que foi ontem, mas já lá vão cinquenta e um anos de vida. A nossa chegada a Bissau deu-se a 6 de Maio de 1968. sabemos que pelo menos 37 dos nossos já partiram para a outra vida. Muitos, nunca dram sinal de vida, o que é compreensível, pois a guerra deixou-nos marcas dolorosas difíceis de apagar; alguns, já não se sentem com coragem para "fazerem" os quilómetros que nos separam, para se juntarem a nós neste dia de convívio anual, outros, a doença que os corrói impede-os de se juntarem a nós. Mas ainda há alguns, muitos, que aí estão todos os anos para o fraternal abraço, dois dedos de conversa e um almoço bem servido.

Desta vez, paramos na Quinta do Codorno, nos arredores de Alenquer. estava um lindo dia de sol, um dia propício para trinta e três Maiorais e suas famílias num total de 73 convivas, se juntarem  para conviverem e marcar novo encontro para o ano que vem.

Em 2020 comemoramos cinquenta anos de regresso, que se concretizou no dia 9 de Abril de 1970

O Encontro comemorativo será no mesmo local, ou seja, na Quinta do Codorno em Alenquer, no dia 18 de Abril de 2020.

Contamos com o esforço de todos os Maiorais que têm resistido ao tempo para estarem presentes com o seu grito de vida

José Teixeira(Enf)


Total de visitas: 184830
SIMPÓSIO DE GULEDJE

Sexta Feira – 29 de Fevereiro 2009

Chegada dos Participantes vindos da Europa

» 15h25: chegada e acolhimento no Aeroporto Osvaldo Vieira de Bissau

 17h00: instalação nas diversas unidades hoteleiras onde os participantes vão ficar instalados

17H30: Entrega dos documentos e programa final

 20h30: Jantar em conjunto, num restaurante da cidade

 Sábado  - 1 de Março

Visita ao antigo Quartel de Guiledje

» 7h00 – Partida para Guiledje, com paragens  no Saltinho (9h30)

       na Ponte de Balana (11h00)

     no antigo Quartel de Gandembel (11h30)

     no Corredor de Guiledje (12h00)

     no Quartel de Guiledje (12h30)    » visita almoço na antiga pista de helicópteros (14h00)

 » 16h00 - Paragem em Medjo e Tchim-Tchim Dari

» 18h00 - Chegada a Iemberém: acolhimento e jantar

 

Domingo 2 de Março

7h30 - Pequeno-almoço
» 8h30 – Visita a Iemberém:

      Centro Materno-Infantil

     Rádio Comunitária Lampara

    Televisão Comunitária Massar

» 9h30 – Encontro com ex-combatentes do PAIGC e ex-milicias portuguesas
» 12h00 – Partida para o porto de Canamine com paragens:

      Num antigo acampamento do PAIGC em Cantanhez

      Na Mata de Cantanhez para apreciar a última floresta sub-húmida da Guiné-Bissau


» 13h30 - Almoço em Canamine
» 15h30 – Eventual visita de barco a Cacine

» 17h00 – Regresso a Iemberém

» 20h00 - jantar

» 21h00 – Manifestação cultural das diferentes etnias da zona

 Segunda Feira  – 3 de Março

7h30 - Pequeno-almoço em Iemberém

» 8h30 - Regresso a Bissau com possibilidade de paragem em Gadamael-Porto, para os que manifestarem interesse.

» 13h30 - Almoço em Bissau

» 17h00 – Sessão solene de Abertura do Simpósio, na Assembleia Nacional Popular

Moderador: Roberto Quessangue (Presidente da AG da AD)

• Visita à Exposição “Guiledje”
• Alocução de Isabel Nosolini Miranda, Coordenadora do Simpósio: Preservação da memória de Guiledje: objectivos, acções previstas, aspectos metodológicos e estado actual da Investigação.
• Alocução do Representante da População de Guiledje (a indigitar)
• Alocução de Sr. Embaixador de Cuba na República da Guiné-Bissau
• Alocução de Sr. Embaixador de Portugal na República da Guiné-Bissau
• Alocução de S. Excelência o Presidente da República de Cabo Verde (por confirmar)
• Alocução de S. Excelência o Presidente da República da Guiné-Bissau (por confirmar)

» 18h30 – Final da Sessão

» 20h00 - jantar

 Terça-Feira, 4 de Março

na Assembleia Nacional Popular

Painel 1

Guiledje e a Guerra Colonial/Guerra de Libertação

Moderador: João José Monteiro (Universidade Colinas de Boé)

» 9h00 - 9h30: Leopoldo Amado (historiador guineense) – Génese e evolução do sentido estratégico-militar do corredor de Guiledje no contexto da guerra de libertação nacional.

» 9h30 - 10h00: Agnelo Dantas (caboverdiano, ex-comandante militar do PAIGC) e Manuel Santos (guineense, ex-comandante militar do PAIGC) – Amílcar Cabral e a componente militar do PAIGC: achegas para a compreensão dos meandros estratégicos e tácticos da guerra de libertação nacional.

» 10h00 - 10h30: Carlos Matos Gomes – (Coronel do Exército Português) – Guiné 1973 – Quando os portugueses perceberam que chegara o fim.

» 10h30 – 11h00: Pausa-Café

» 11h00 – 11h30: Alfredo Caldeira e Victor Ramos, Fundação “Mário Soares” – A operação “Maimuna” no Arquivo Amílcar Cabral.

» 11h30 – 12h00: Ulisses Estrada (Ex-Militar e diplomata cubano) Internacionalismo cubano e a participação de Cuba no esforço da guerra de libertação da Guiné-Bissau.

» 12h00 – 13h00: Debate

» 13h00 – 14h30: Almoço

» 15h00 – 15h30: Coutinho Lima, (Coronel do Exército Português na reserva e ex-comandante do COP 5) – Factores considerados para tomar a decisão da retirada das forças militares e da população, do aquartelamento de Guiledje: relato histórico do ex-Comandante do COP 5

» 16h00 – 16h30: Pedro Lauret, (Capitão-de-mar-e-guerra do Exército Português na situação de reforma) – A Marinha no Teatro de Operações da Guiné. Guileje Gadamael, Maio Junho de 1973, o papel da Marinha.

» 16h30 – 17h00: Sandji Fati (Tenente-Coronel do Exército da Guiné-Bissau) – Subsídios para a História Militar da guerra de libertação no sul da Guiné-Bissau.

» 17h00 – 17h30: Pausa-Café

» 17h30 – 18h00: Eduardo Costa Dias (Professor Titular do Instituto Superior das Ciências do Trabalho e Empresas - ISCTE, Portugal) – Papel e influência das dinâmicas sócio-religiosas e políticas nos movimentos de libertação nacional na África Ocidental: o caso da Guiné-Bissau.

» 18h00 – 19h00: Debate

» 20h30: Jantar

 Quarta-Feira, 5 de Março

na Assembleia Nacional Popular

Painel 2

Guerra Colonial/luta de libertação nacional: problematização conceptual, contextualização histórica e importância historiográfica.

Moderador: Leopoldo Amado

» 9h00 – 9h30: João Medina (Professor Catedrático da Universidade de Lisboa) – A Literatura Portuguesa sobre as derradeiras Guerras Coloniais em África (1961-1974) como documento histórico acerca do fim do Império.

» 9h30 – 10h00: Josep Sánchez Cervelló (Professor Titular de História Contemporânea da Universidade Rovira I Virgili de Tarragona, Espanha) – A relação dialéctica entre o PAIGC e o MFA e o seu papel na caída do Estado Novo Português.

» 10h00 – 10h30: Leonardo Cardoso (historiador guineense, INEP) – Alcance histórico de “Guiledje” no contexto geral da luta de libertação Nacional e independência da Guiné-Bissau.

» 10h30 – 11h00: Pausa Café

» 11h00 – 11h30: Julinho de Carvalho (caboverdiano, ex-comandante militar do PAIGC) A importância estratégica de Guiledje no contexto geral da manobra militar do PAIGC e do Exército português na Guiné.

» 11h30 – 12h00: Fernando Delfim da Silva (guineense, político e filósofo) – A guerra-fria e os condicionalismos político-ideológicos da acção militar do PAIGC na guerra de libertação nacional.


» 12h00 – 12h30: Julião Soares Sousa (Historiador guineense) – Guiledje no horizonte político e militar de Amílcar Cabral em 1972: contribuição para o estudo de uma projectada ofensiva em tempos de guerra de libertação.

» 12h30 – 13h30: Debate

» 14h00 – 15h30: Almoço

Painel 3

O pós-Guiledje: efeitos, consequências e implicações político-militares do assalto ao aquartelamento

Moderador: Mamadú Djau (Director do INEP)

» 16h00 – 16h30: Luís Moita (Professor Catedrático e Vice-Reitor da Universidade Autónoma de Lisboa) – Fundamentos e originalidade táctico-estratégicos da acção político-militar de Amílcar Cabral e do PAIGC no contexto dos movimentos de libertação do Terceiro Mundo.

» 16h30 – 17h00: Óscar Oramas (Ex-embaixador de Cuba na República da Guiné-Conakry) – Contribuição e participação cubana na luta de libertação nacional da Guiné-Bissau: dados, números e factos.

» 17h00 – 17h30: Pausa Café

» 17h30 – 18h00: Nuno Rubim (Coronel e ex-combatente português no aquartelamento de Guiledje) – A batalha de Guiledje: uma tentativa de reconstituição histórica em dioramas.

» 18h00 – 18h30: Luís Graça (Doutorado em Sociologia/Saúde Pública e dinamizador do maior site dos antigos combatentes portugueses da Guiné) – Cerco de Guiledje: a experiência traumática vivenciada a partir do Quartel de Guiledje.

» 18h30 – 19h00: Luís Reis Torgal(Professor catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra)Colonialismo, Anticolonialismo e identidade nacional: reflexões metodológicas para o estudo da história da Guiné.

» 19h00 – 19h30: Debate

» 20h00: Jantar

» 21h30: Sarau Cultural

 Quinta-Feira, 6 de Março

na Assembleia Nacional Popular

Painel 4

Guiledje: Factos, Lições e Ilações

(depoimentos e testemunhos de elementos da população, dignitários, testemunhos presenciais, régulos, ex-combatentes do PAIGC e ex-milícias africanas do Exército português)

Moderadora: Isabel Buscardini (Ministra dos Combatentes da Liberdade da Pátria)

» 9h00 - 9h30: Úmaro Djaló (Comande Militar do PAIGC) – A minha experiência de guerrilheiro e de comandante no Sul da Guiné-Bissau: achegas para a História de Guiledje.

» 9h30 - 10h00: Buota Na N’ Batcha (Comandante Militar do PAIGC) – A acção dos bi-grupos e dos corpos de Exército do Sul na guerra de libertação nacional: o caso do assalto ao aquartelamento de Guiledje.

» 10h00 - 10h30: Joãozinho Ialá (ex-guerrilheiro do PAIGC) – Memórias do Assalto ao Quartel de Guiledje, Gandembel e Balanacinho.

» 10h30 - 11h00: Francisca Quessangue (Enfermeira do PAIGC) – Os aspectos sanitários-logisticos do PAIGC no assalto ao quartel de Guiledje

» 11h00 - 11h30: Pausa Café

» 11h30 - 11h50: Fefé Gomes Cofre (ex-guerrilheiro do PAIGC) – O meu testemunho sobre o assalto ao Quartel de Guiledje.

» 11h50 - 12h10: Salifo Camará (Régulo de Cadique) – O papel das populações civis na guerra de libertação no Sul e no assalto ao aquartelamento de Guiledje.

» 12h10 - 12h30: Camisa Mara (ex-milicia do Exército português) – A vida no Quartel de Guiledje

» 12h30 - 12h50: Cadjali Cissé (ex-guerrilheiro do PAIGC) – A minha participação no Assalto a Guiledje

» 12h50 - 13h10: A designar (condutor) – A minha experiência no transporte de munições e mantimentos

» 13h30 - 15h00: Almoço

Painel 5

As Iniciativa de Cantanhez e de Guiledje na óptica do desenvolvimento económico e social e sua correlação com o imperativo da salvaguarda da memória histórica da guerra.

Moderador: Nelson Dias (Representante da UICN)

» 15h30 - 16h00: Carlos Schwarz Silva (guineense, agrónomo) e José Filipe Fonseca (guineense, agrónomo) – O desenvolvimento económico e social na zona de Guiledje: AD e dinâmicas de participação e organização comunitárias.

» 16h00 - 16h30: Tomane Camará (AD) – (guineense, agrónomo) – Evolução das características ecológicas da zona de Guiledje: antes, durante e depois da guerra.

» 16h30 - 17h00: Alfredo Simão da Silva (guineense, geógrafo, Director do Instituto de Biodiversidade e Áreas Protegidas) – Imperativos de Desenvolvimento Sustentável e da Conservação da Natureza: Princípios e práticas no caso de Cantanhez

» 17h00 - 17h30: Pausa Café

» 17h30 - 18h00: Huco Monteiro (sociólogo, Universidade Colinas de Boé), A intensa guerra de que o Sul da Guiné-Bissau foi alvo explica o seu ténue desenvolvimento relativamente às outras regiões do país?

» 18h00 - 19h00: Debate

» 20h30: Jantar

 Sexta-Feira, 7 de Março

na Assembleia Nacional Popular

Moderadora: Isabel Nosolini Miranda (Presidenta da AD)

» 9h30: Sessão solene de Encerramento

  • Alocução do Representante dos participantes caboverdianos.
  • Alocução do Representante dos participantes portugueses
  • Alocução do Representante dos participantes cubanos
  • Leitura do Documento final do Simpósio (Resoluções Finais).
  • Alocução de S. Excelência o Senhor Primeiro-Ministro do Governo da Guiné-Bissau
  • Alocução de Encerramento do Simpósio por S. Excelência o Senhor Presidente da Assembleia Nacional Popular da República da Guiné-Bissau.

» 10h30 - Final dos trabalhos do Simpósio

» 12h30- almoço

» 16h30- Partida dos participantes

 

 

A VIVÊNCIA DESTE ENCONTRO

 

 

De minha parte, apenas algumas notas soltas.

A RECEPÇÃO

A Canção GANDEMBEL, explodiu dentro de mim, cantada de uma forma tão feliz por aquele grupo que animou a recepção.

Foi um recomeçar da “guerra”, agora com os inimigos bem frente a frente, de olhos nos olhos, com sorrisos de bem estar e felicidade, por se reencontrarem de novo, mas para festejarem a paz. Localizamos frentes de combate em que nos batemos, perigos que ultrapassamos, com sangue, com suor, com medo e quantas vezes com lágrimas de dor ou de raiva. Agora selamos a amizade com um abraço fraterno.

 Selamos a amizade dando as mãos e cantando, dançando ao som da música que nos transporta para cenários de sofrimento e morte. Hoje espaços de vida e esperança

 

PICADA DE CHAMARRA.

De Chamarra até Balana, passando por Changue Laia, o terrível local onde havia uma placa com a palavra “Fronteira”colocada pelo PAIGC. A partir daí entrava-se no inferno dos fornilhos, dos campos de minas e emboscadas. Só se parava em Gandembel ou Cã Dembel, como lhe chama os Fulas. Sem afectar a verdade, poderia dizer-se que o “carreiro da morte” começava aí.

Escrevi um  dia no meu Diário

Julho 1968 / Aldeia Formosa / 28

            Ontem Aldeia Formosa voltou a ser atacada. Três vezes numa semana é muito.

            Hoje fui fazer uma coluna a Gandembel. Tudo correu bem. O IN. não atacou nem colocou minas na picada. Só tivemos uma  tempestade de chuva. Começamos por ouvir um ruido assustador que se aproximava de nós. De repente surge uma forte ventania que nos arrastava seguida de uma tromba de água que transformou a picada  num rio. Um quarto de hora depois tudo desapareceu e voltou o sol quente que rapidamente nos secou.

            Pouca antes de chegar a Gandembel vimos o IN. atacar um Fiat das FAP que se incendiou, tendo o piloto saltado de pára-quedas.

            Passei no sítio onde há pouco tempo se deu uma terrível emboscada que roubou seis vidas. Quinze fornilhos colocados em série num local onde a tropa ao sentir as primeiras balas da emboscada se esconde. Doze rebentaram no momento em que se iniciou a emboscada e ceifaram seis vidas. Foi uma sorte não ter lá ficado toda a Companhia.

            Quando chegamos a Gandembel fomos saudados pelo IN com um pequeno ataque ao aquartelamento, sem consequências. Os Camaradas que estão aqui estacionados dizem que comem disto todos os dias e mais que uma vez.

            Como  é terrível...

            Encontrei em Gandembel o Mário Pinto meu colega de escola, contou-me coisas terríveis que se têm passado neste aquartelamento fortificado, junto à Fronteira com a Guiné/Conacri que tem como objectivo cortar os carreiros de ligação à "estrada da morte" impedindo o IN de fazer os abastecimentos.

            -Será verdade que vamos ficar nesta zona por muito tempo ?

...

            Odeio.. Odeio os homens que se guerreiam e matam. No entanto eu também sou um deles...

            O Inimigo também tem namorada, mulher, filhos... também se agarra aos seus santos protectores...

           

            Pergunto-me se quantas vezes ao sair para o mato as portas das Tabancas se abrem e surgem caras, um sorriso, um braço no ar ... um desejo de "bom biaje", se não serão essas mesmas caras com o ódio estampado que nos esperam no meio da bolanha prontos a matar quem não quer fazer guerra, mas foi obrigado pelo sentido de Pátria em que foi educado ?

            Toda a cara preta me parece um IN. Odeio o IN. porque é traiçoeiro, por que mata.

         Agosto 1968 /Mampatá 23

            Mais uma etapa díficil para a Compª 2381. Quem diria que após uma coluna a Gandembel na qual se levantaram 57 minas A.P. e quatro fornilhos depois da passagem por Chamarra e sem ninguém contar, surge a terrível emboscada que provoca cinco feridos.

            É sempre assim, onde menos se conta, quando a calma e a confiança volta ao espírito, quando se julga que o perigo já passou, surge de entre o arvoredo, traiçoeiramente o inimigo.

            Um viver constante em estado de guerra arrasa o espírito. A parte física ressente-se , as conversas entre camaradas tornam-se por tudo ou nada exaltadas, pequenos quezílias, tornam-se problemas.

            O homem é fruto do ambiente em que vive. Se o ambiente é de paz, sente-se a vida nos corações, a calma e a confiança no "outro ", vive-se a paz. Quando o troar dos canhões se ouve longe ou perto, quando existe guerra entre os homens, existe guerra no seu espírito. O espírito torna-se selvagem. Trava-se uma luta entre o antigo e o novo, entre o amor e o sangue. Um jovem que ainda ontem só pensava em amar, hoje não vacila em disparar sobre um inimigo, mesmo ferido inofensivo, inutilizado, a precisar de uma mão salvadora....

            Antes de ontem e ontem, Buba foi atacada. Os Páras têm tido um trabalho intenso. Hoje bateram a zona de onde costumam atacar Aldeia Formosa. Há alguns dias que patrulham a zona envolvente de Gandembel e com bons resultados. vários mortos, "manga " de feridos e material apreendido.      

Hoje, que bom sentir a vida brotando onde outrora, imperava o medo, o silêncio entrecortado pelo troar das armas ou pelo estrondo das mortíferas minas e fornilhos.

Toda a estrada de Chamarra até Balana está cheia de moranças. No rio onde em tempos longínquos rebentavam granadas e bombas hoje existe um lavadouro onde as mudjeres fulas lavam a roupa dos seus filhotes cantando alegremente.

 Que bom sentir a paz brotando dos corações dos homens.

 

GANDEMBEL, MÍTICO LOCAL , AGORA EM PAZ.

O silêncio continua a imperar em Gandembel. Ninguém da população, ousou recriar vida neste local. Só o “machundadi di branco – flor estranha, surgida da terra, que os autóctenes de imediato batizaram, para relembrar aos vindouros que os Portugueses passaram por ali e sofreram duro, pela sua teimosia Tinha desenhado na minha mente a estrutura arquitectónica, a disposição das casernas em círculo, a parada que a todo o momento servia de campo de tiro, porque do cimo das árvores do lá de lá da fronteiro o inimigo espreitava. A curva a duzentos metros da entrada, que nos fazia sair do corredor  da morte, para entrar num novo palco . . . de morte. Tudo estava lá, como eu imaginava. Os restos das casernas são testemunho vivo de uma presença, de uma luta inglória. De vidas jovens destruídas. De uma força de vontade indómita de vencer, por parte de um inimigo que não dava tréguas, porque acreditava que a vitória era difícil, que a luta poderia ser longa, mas que à razão da força teria de opor  a força da razão aliada a força da alma das suas gentes.

Desta vez fui voluntário. Desta vez não tive medo. Bem pelo contrário, senti-me um homem feliz. A emoção tomou posse de mim. A planta que lá deixei, reflectiu a esperança de que a paz é possível sempre que os homens, os políticos, a desejem sinceramente.

 Foi a concretização de um sonho que acalentava há vários anos.

Acredito que Gandembel será no futuro um espaço onde a vida humana também brote tão espontaneamente como tem vindo a brotar em tantos espaços, teatros de grandes lutas no passado, hoje centros de vida, de alegria e esperança.

Desta vez pude gritar bem alto o que me ia na alma, na presença de ministros da Guiné, de combatentes de ambas as frentes. Portugueses e Guineeenses do PAIGC, guineenses que combateram a meu lado. todos juntos demos as mãos e recordamos outros tempos de grande sofrimento.

 

Neste lugar,  que para mim foi a referência maior e mais importante  na guerra que me obrigaram a viver.

Quero recordar e saudar os camaradas portugueses, que na sua maioria lutaram nesta terra, de G3 na mão, para salvar a própria vida.

Recordar e saudar os guineenses que a meu lado lutaram convictos que estavam do lado certo da contenda. Quantos deles deram a vida na sua Pátria, pela minha Pátria- Portugal.

Recordar e saudar a população maravilhosa, alegre comunicativa , que nos acolheu, na sua terra, nas suas tabancas, nas suas moranças, sempre com um sorriso, com carinho.

Recordar e lembrar milhares de jovens de ambas as frentes, que regaram com o seu sangue , esta terra, para que dela pudesse surgir uma árvore, a árvore da liberdade.

Recordar e lembrar as populações; crianças, jovens e menos jovens, anciãos, que foram envolvidos nesta terrível luta de vida ou de morte e nela, inocentemente, muitos perderam a vida.

Foi aqui em Gandembel que eu senti verdadeiramente senti  o que era a guerra para onde me tinham empurrado.

Visitei três vezes este lugar em colunas de reabastecimento oriundas de Buba/Aldeia Formosa  e na recolha da C.Caç-2317, que fez nascer Gandembel, aqui viveu durante oito  longos meses, para depois abandonar cumprindo estratégias e ordens  superiores.

 Eu, aqui bem perto em Mampatá Forreá, ouvia os estrondos  da guerra que aqui se vivia. Gandembel, Guilege, Gadamael, Mejo ou Cacine. Raro era a noite ou dia que não havia “manga di sakalata”.

 De um lado tínhamos os heróis da resistência. Do outro os heróis da persistência. Onde a esperança nunca morria.  Se um camarada era ceifado por uma bala ou estilhaço  traiçoeiros, logo outro se levantava  para continuar a luta.

Dois povos uma luta. A da vossa e da nossa liberdade, vistas de prismas diferentes. Nós Portugueses, na sua maioria queríamos que os dois anos de Comissão acabasse depressa. Vós querias  correr-nos a todas daqui para fora. Estávamos tão perto quanto aos objectivos pessoais e tão longe quanto aos meios para atingirmos esses mesmos objectivos.

Vocês gritavam do lado de lá da floresta “ Tugas ide-vos embora”

Nós, dentro do quartel gritávamos “Tirem-me daqui” “quero ir-me embora”

Gandembel foi um marco histórico. À capacidade estóica de resistência dos camaradas da C.Caç. 2317, juntava-se a teimosia e persistência de um inimigo, que sentindo a terra como sua, jamais desistiu da luta, que se tornou cada vez mais mortífera

Trouxe de Portugal uma pequena planta que quero plantar aqui em Gandembel.

Quero que simbolize o espírito de todos os que aqui lutaram. Todos os que aqui derramaram o seu sangue, sem distinção de raça ou cor.

Quero que simbolize o espírito de paz e fraternidade que todos queremos alimentar.

Quero que simbolize a esperança na construção de uma Guiné Bissau melhor. Onde haja pão para todos, saúde para todos, justiça social para todos.

 De mãos dadas, fiquemos um minuto em silêncio. Relembremos, todos quantos deram o seu sangue nesta terra.

Quem tem fé, encomende-os a Deus, Pai e Criador, para que descansem em paz.

 

ENCONTRO FELIZ

 

Ao chegar a Guiledje, cruzo-me com uma bonita mulher, extremamente activa, sempre com um sorriso nos lábios.

 Na lapela um crachá onde se lia “Cadidjatu Candé.

Comentei em surdina: Conheci um Candé em Quebo que foi barbaramente assassinado com um prego na cabeça, no fim da guerra

Ouço uma resposta que não só me surpreende, como me emociona profundamente. A Cadi com o seu olhar cândido responde: Era meu pai.

. . ./ . . .

 O Candé era um alferes de um grupo especial de milícia, em Quebo que posteriormente passou para a C.Caç 18, estacionada também em Quebo.

 Soube da sua triste sorte através do seu primo Mudé Embaló, meu ajudante de enfermeiro, que mais tarde conseguiu vir para Portugal e soube, agora, pela família em Chamarra que faleceu há cerca de dois anos em Espanha

O Abdulai Djaló

 

 

Ainda não eram sete da matina, quando o telefone tocou. Hora serôdia, de uma segunda feria de Páscoa, para acordar, quem após muitos anos de labuta,  se entregou ao descanso da merecida reforma.

Alô - sou o Abdulai da Guiné !

“Quer falar cum sinhor Tissera”

Qual Abdulai seria? O que conheci em Buba ? O de Chamarra ? “O Abdulai Djaló qui firmana Catió”  e todas as semanas aparecia, em tempos idos, que muitos dos leitores recordarão, no programa de discos pedidos da emissora oficial da Guiné, a pedir a canção “Deixa o meu cabelo em paz” para dedicar à sua bajuda, não era com certeza.

Era o Abdulai Djaló meu amigo de Mampatá Forreá, pequena tabanca perto de Quebo, rodeada  de guerra por todos os lados, que durante os seis meses que por lá passei, viveu uma paz relativa, pois que apenas sofreu seis ataques, quando Balana, Gandembel, Guilege, Gadamael, Cacine e outros, tinham festival quase diário.

O Abdulai que há dias procurei na sua morança, mas não encontrei

O Abdulai que após a Independência se ausentou para o Senegal e por lá viveu longos anos, por amor à pele e voltou há alguns anos. Em 2005 ninguém sabia dele.

O Abdulai  das longas conversas nocturnas. Tudo começou quando já noite me recolhia ao abrigo para me entregar nos braços de Morfeu. Uma voz chamou “Tissera” vem cá! Era o Abdulai. Estava deitado na enxerga ao lado da esposa. Recem casados e sem filhos, queriam “kunversa cum Tissera”.Queriam saber coisas da Metrópole.

Dificil foi, explicar-lhe que vivia num terceiro andar. Que havia casas com dez e 20 andares.

Com o se seguravam, como se subia lá para cima !

Elevadores ? Eram coisas de branco maluco.

E um comboio ?  muitas GMCs atreladas umas às outras, mas só uma tinha motor e com rodas de ferro ! Na segunda noite, estavam novamente à minha espera. Seguiram-se muitas noites “di Kunversa”.

 Um dia convidou-me a deitar na cama. Eu, a mulher e ele, ali ficávamos até vir o sono, conversando.

Há dias passei por Mampatá. Abraços, beijos e algumas lágrimas de comoção. A mulher estava lá, mas o Abdulai, esse tinha ido a Bissau. Deu para matar saudades e deixar um abraço.

 Agora telefonou para “pidir discurpa”,dar um abraço e agradecer a minha visita.

Obrigado Abdulai. Até sempre.

 

MAMPATÁ FORREÁ, Terra de Gente querida

É a tabanca da Guiné Bissau eleita pelo meu coração.

Nos meses de convivência com as sua população aprendi muita coisa que me foi útil pela vida fora, sobretudo a forma de acolher um forasteiro, a solidariedade de quem vivia como se fossem “ermons”. Os usos e costumes do povo Fula.

Sentia-me útil e realizado no meio escaldante de uma guerra traiçoeira em que sobrevivia quem conseguisse atirar primeiro e acertar no inimigo, como em todas as guerras.

Voltei lá em tempos de paz. Recebi abraços e beijos, recordei vivências, momentos hilariantes, momentos tristes, momentos de angústia e sofrimento. Palmilhei os mesmos trilhos ( continua a não ter ruas alcatroadas, água canalizada e saneamento) Entrei nas mesmas moranças. Encontrei a mesma simpatia nas pessoas. Brinquei com outras crianças.

Pude reencontrar amigos. A Farmara, minha “lavandera” continua linda e com a alegria de sempre. O Braima, o Issa. A Answar mãe da minha bebé, que não consegui ver, agora que já mulher, casou e foi viver para kumbijá.

 A Ádama, mãe da bebé que salvei da morte e passou a ser por opção da mãe, a minha “mudjer”. De manhã cedo lá vinha ela no colo da mãe trazer água fresquinha ou bananas. “Mudjer de bó vem parte mantenhas e traz banana pra ti”. À noite, lá estava ela na morança à espera que o “fermero” passasse para “partir mantenhas” antes de adormecer:

Relendo o meu “Diário”

Novembro 1968 / Mampatá /1

 

 . . . Fui procurado pela irmã mais velha da Fámara Baldé. Trazia-me a sua filha com oito meses que estava doente. Tinha paludismo e estava a entrar na fase crónica, de que quase todos os adultos de raça africana sofrem. Os que conseguem escapar na sua fase mais aguda. A criança apresentava-se muito magra, com 42 graus de temperatura, diarreia e vomitava tudo o que mamava, nem forças tinha para chorar. Acabava de chegar do Hospital de Bissau, segundo me disse a mãe a chorar, sem esperança.

Todos os dias de manhã tinha sua visita. Fermero parti-me mézinho para minina, na tem febre e bariga ramassa

            Que fazer? Eu que apenas tinha aprendido a tratar feridos da guerra. !

            Estes poucos meses de Guiné ensinaram-me a lutar contra o paludismo nos meus colegas e nos adultos africanos com bons resultados, mas nunca tinha deparado com uma situação tão delicada.

            Pedi-lhe para voltar mais tarde que ia pensar o que fazer para salvar a bébé.

            Para combater o paludismo nos adultos servia-me de um anti-palúdico injectável misturado com outro injectável para prever a reação negativa do coração. Então pensei que injectando na bébé umas milésimas destes dois produtos talvez salvasse a criança.      

            Ontem assim fiz, com todo o cuidado, no posto de socorros ao ar livre, no coberto da casa da Answar.  A reacção só se fez sentir cerca de um quarto de hora depois com um pulsar acelarado do coração e um avermelhamento da face. Depois a acelaração aumentou, os olhos dilataram-se e a menina ficou estática por duas ou três horas. Que momentos de ansiedade para mim e para aquela mãe que me confiou a sua filha. Esta chorava e dizia - Tu mataste minina. Eu pedia-lhe para ter calma e apelava para todos os Santos. Por fim a acelaração do coração começou a baixar e temperatura registou 39 graus. Estava ganha a vida da criança. Abraçamo-nos a chorar um ao outro e a mãe ofereceu-me a menina para minha mulher quando fosse grande.

            Ao fim do dia deixei-a levar a menina para a tabanca e chorei sózinho de alegria.

            Hoje voltou para me dizer que a minina ká na tem xoro já não vomitou a mamada.(A recuperação foi de cerca de oito dias.)

            Daí em diante, todos os dias a mãe trazia-me a menina. "tua mudjer vem parte mantanhas" (cumprimentar).

            Trazia-me água fresca numa cabaça, que ia buscar à bolanha a uma nascente de que se servia também o IN. (Que riscos por minha causa). Trazia-me cachos de bananas e eu tinha de todas as noites ao passar para o meu abrigo ir  "parte mantanhas" à minha mulher. Se não o fizesse, a mãe chamava " Fermero tu não vens ver tua mudjer  e parte mantanhas a ela !".

            Dizia-me muitas vezes que quando eu viesse para a Metrópole tinha de trazer a "minha mudjer".

            Assim foi até sair de Mampatá. Tornei-me um visitante da família Baldé: Fámara, Binta, Auá, e Ádama e da Answar a mãe da Maimuna. . .

A Djuvai de olho zarolho, mais bonita agora do que em jovem. Como ele se lembrava de mim!

- “Tissera! Mama garandi. Mama piquena, dizia ela a rir-se enquanto apalpava com a sua mão os seios, hoje escondidos e talvez mais disformes do que eram na altura, recordando o que eu (atrevido) por brincadeira lhe fazia (Se o leitor apreciar as fotografias anexas entenderá melhor esta linguagem) , que ela recordou com inaudito prazer e me fez reviver tempos tão belos, quanto perigosos da minha juventude.

 A mudjer, ainda viva, do falecido régulo Aliu Baldé, alferes da milícia morto em combate em 1971.

O seu filho, talvez um dos miúdos que no meu tempo de estadia se pinha à porta da cozinha na esperança de “agarrar” uns restitos de comida, a quem agradeço a forma carinhosa e dedicada, como soube ser meu cicerone, nesta aventura.

 A famíla da Djovo Ansato, ausente em Bissau, que se juntou toda para me receber.

Do meu “diário”

Dezembro,1968 / Mampatá /29

. . . A "Bajuda "Jobo Ansato ( Joaninha, como eu lhe chamo), começou há tempos a ter um comportamento diferente para comigo. Várias vezes me ofertou fruta, chama-me muitas vezes à noite para a porta do abrigo subterrâneo onde dorme, gosta de conversar comigo e fica ciumenta quando me vê a conversar com outras " bajudas", Com a Fámara, por exemplo, que é a jovem mais linda que eu vi em toda a minha vida. Eu, embora notasse essa mudança não conseguia compreender a sua razão de ser. Ontem, como tantas outras vezes fui até à sua tabanca e a conversa virou para os feridos de guerra as doenças da população e a acção dos enfermeiros e fiquei espantado ao ouvi-la dizer dizer; " no último taque di bandido eu ver Tixera ir por Tabanca, baixo di fogo perguntá  tudo dgente si ká na tem firido. A mim nesse dia ficá manga di contente com Tixera.. Tixera i amigo di Africano". Para meu espanto verifico que foi a partir da data do último ataque que sofremos que se deu esta mudança no seu comportamento. Como uma simples acção no cumprimento do meu dever pode influir tanto na maneira de pensar e agir de uma pessoa ! . . .    

 

As crianças que se acotovelavam para me tocar. Os dedos das minhas mãos, não chegavam para tantas mãos.

Calou bem fundo aquele convite da Djuvai: Tissera volta para cá. Esta casa é para ti !  . . .  

Um dia voltarei. . . de visita.

 Zé Teixeira

 

Guiledje, Mata do Cantanhez., Gadamael Porto… e a memória das gentes

 

Como os camaradas navegadores do nosso blogue sabem, eu tinha por hábito passar ao papel do “Meu diário” alguns dos acontecimentos vividos. Escrita feita a quente, sobre os efeitos psicológicos dos acontecimentos.  Diário, já passado na primeira série desta grande e frutuosa aventura iniciada pelo Luís Graça, o “blogueforanada”.

Hoje vou relendo o que escrevi. Vou apreciando as minhas contradições num tempo, marcado profundamente por uma educação de patriotismo elaborado até ao exagero, quer pelo Estado, quer pela Igreja a que pertencia. Vou reflectindo sobre as realidades  vividas e dificuldades superadas. Sobre as amizades conquistada de uma e outra banda ou seja de portugueses, camaradas de luta, e, guineenses, da população autótene e também camaradas da milícia local, que connosco se batiam, sob o lema” Por uma Guiné melhor”. Sem saber muito bem porque o faziam e que tipo de Guiné queria construir para eles, aquele estranho de binóculo e pingalim na mão, que não era da sua terra, não conhecia os seus usos e costumes, as suas leis naturais e tal com tantos outros um dia regressava a Portugal, com mais uns galões e uns milhões no bolso.

Olhando para o mais profundo de mim próprio e colocando-me lado a lado com os camaradas que se bateram em nome do meu País, sinto que de facto aquela guerra não era nossa. Estávamos lá forçados, quais escravos de uma força obscura e obscurante das mentes que nos fazia seguir o caminho, como carneiros, de camuflado e canhota ao ombro, porque, (diziam eles) a Pátria o exigia.

O texto que se segue, escrito dois dias depois dos acontecimentos relatados, após saber via piloto da avioneta do correio, a conhecia D.O.ou Dornier de sua marca, que aterrou em Aldeia Formosa, dos resultados, possivelmente exagerados, da luta travada em Gadamael Porto e na mata do Cantanhez. Acontecimentos reais que eu, relativamente perto, vi; (aviões – Fiat e T6 em constante movimento), ouvi e vivi os tiros e rebentamentos, por longas horas do dia e noite.

Este texto, expressa, creio eu, um pouco das contradições com que nos deparávamos, ou nos deixávamos envolver.

  

 

Janeiro 1969 / Chamarra / 16

            Gadamael foi teatro de uma das maiores lutas no Ultramar entre a Força
Aérea e o IN. O resultado, pelo que dizem demonstra bem o poder da aviação e sobretudo mostra que os homens se matam sem compaixão e mesmo neste caso em que as nossas forças lutam para manter a "ordem" não há homem, creio eu, que não sinta o coração sangrando, quando vê o inimigo a sofrer, numa luta desigual.

        Gadamael estava a ser atacada como nunca qualquer outra população da Guiné .

Muitos homens, com as melhores armas, algumas utilizadas pela 1ª vez, atacavam de longe  e caiam tão afastado da povoação, ao ponto de os colegas de Gadamael pensarem que o ataque se dirigia a um sítio onde já não havia  ninguém, daí pediram à F. A. para bater a zona.

            Quando os "Fiat" sobrevoaram o IN. foram metralhados por uma quadrupla anti-aérea. Deixaram 200 kg. da sua carga mortífera e foram buscar mais. Os T 6 (Bombardeirps) apareceram também e durante duas horas foi um descarregar de bombas. Nós só víamos os aviões à distância e ouvíamos o estrondo dos rebentamentos, mas calculamos que tenha sido uma luta terrível, tal a quantidade de "chocolate" que estourou. Eu imagino o chão juncado de cadáveres, regado com o sangue dos mortos e feridos, imagino os gritos lancinantes dos feridos ao verem a vida a fugir-lhe. Parece-me que estou a ver os que ficaram ilesos carregar os mortos.

            Dentro de mim há uma confusão tremenda. A paz consegue-se fazendo a guerra. Impondo-a, até certo ponto, através das armas que matam. É certo que aqueles queriam fazer guerra, estavam a atacar uma população que quer a paz, que quer ir para o seu trabalho na Bolanha sem arma, sem medo que alguém lhe surja no caminho com intenções assassinas. Uma população que quer viver na sua Tabanca despreocupada, sem precisar de correr a toda a hora para um abrigo e dormir debaixo de terra para não ser surpreendida, uma população que quer viver sem precisar de matar, mas haverá homens com coração de pedra que não sinta tanta morte, homens que foram levados talvez à força ou com uma dose maior de vinho de palma, como consta que acontece muita vez...

            Dizem-nos que temos de fazer a guerra para impôr a paz, que aqueles que morreram e os que ainda estão vivos, são um perigo para a sociedade guineense. Eu e os meus camaradas, tantos outros, já sofremos muito por sua causa. Arriscamos a nossa vida a todo o momento por causa dessas mãos assassinas, cujo prazer é matar. Um prazer cego ao ponto de verem os seus camaradas morrerem às dúzias e continuarem a luta. Será prazer, ou será a convicção da sua razão que os faz lutar ?

            Porque é que estes homens querem a guerra, quando podiam viver em paz, do seu trabalho, na sua Tabanca, no seu lar com os seus filhos ?

            Que os faz lutar ?

            Que faço eu no meio disto tudo ?

 

Numa re-leitura posterior acrescentei.  

            Que admiração tenho hoje por este povo, pobre e humilde, puramente "selvagem"

            Como eu gostava, hoje, de ser "selvagem" como eles. Amavam a sua terra, queriam ser donos do seu próprio destino. Lutavam. Sacrificavam-se, palmilhando quilómetros e mais quilómetros, para dizerem "estamos aqui na nossa terra, ide-vos embora" como tantas vezes ouvi, do outro lado da mata, ou através do troar das suas armas, que teimosamente se recusavam  acertar no alvo, ou  mesmo nas populações ditas fieis, nas Tabancas por onde passei.

             Um dia o Raul Fodé de Empada, meu companheiro na profissão de assistir a população em cuidados de saúde nos seus poucos conhecimentos de enfermagem colhidos no contacto com a tropa Portuguesa, em Empada, pessoa culta, teologo árabe, disse-me: "Tixeira nós queremos que tu firma na Guiné. Deissa arma e vem na Tabanca, ", mas “deissa” a arma, abandona o exército! Ele, que acompanhava esse mesmo exército com a sua arma igual à minha, a bolsa de Enfermeiro...

 

Hoje passados trinta e oito do meu regresso, ao reler o texto, já enquadrado no “Espírito de Guiledje, continuo a pensar que fui profundamente enganado pelos “senhores do poder” à data dos acontecimentos do Ultramar e não lhes perdoo-o tantas vidas de ambos os lados roubadas na flor da idade por uma guerra inglória e sem justificação, pois os ventos que corriam nos meandros dos grandes areópagos políticos mundiais eram direccionados para a independência dos povos submetidos pelos países europeus, em muitos casos já concretizados. A acrescentar os testemunhos das autoridades militares portuguesas da altura que se propunham garantir condições de segurança  para que fosse procurada uma solução politica. Permito-me deduzir que para estes, a solução de impor a soberania pelas armas já não era viável, e, hoje está mais que confirmado, nunca seria a solução possível, porque os ventos da História não invertem a direcção, pelo  simples facto de um pequeno país teimosamente só, insistir na “sua razão” Infelizmente, por miopia politica e ambições desmedidas, os poderes politico e económico e alguns militares de carreira, teimosamente forçaram a manutenção de um estado de guerra, que redundou num terrível desastre, para ambas as frentes de combate, com milhares de militares mortos, milhares e estropiados e doentes. Populações dizimadas, culturas destruídas, fome doença e miséria.

Alguns enriqueceram.

Ficou mais pobre o meu País, pelos milhares de mortos. Jovens na força da juventude, a força do trabalho dos anos vindouros que se foi em parte. Ficou  mais triste o meu País, pelos lutos forçados, jamais esquecidos de mães, esposas, filhos, noivas ou namoradas. Ficou mais pobre o meus país pelo esforço financeiro que teve de fazer e se reflectiu nos anos seguintes,

Ficou mais pobre a Guiné Bissau, pela juventude e populações perdidas cujos números são imensuráveis, pelas culturas agrícolas e florestais destruídas como estratégia de guerra, pela destruição de uma economia centrada na exploração, dos nativos, sem condições para de imediato se desenvolver uma economia alternativa e igualitária. Pelos abutres que logo de seguida se abateram sobre um País na miséria, sem rumo definido, à mercê dos espertalhões que logo aparecem com ar de santinhos benfeitores, para sugar tudo o que for possível. Pela perda da fé que animava aquelas gentes e lhe dava forças para avançar para a luta. Era o General Spinola gritava “por uma Guiné melhor” e arrastava populações inteiras, sem que estas se interrogassem quem era este tipo de binóculo e pingalim, surgido de repente, com promessas. Não seria mais um que, tempos depois, voltaria, como tantos outros já o fizeram, à sua terra com mais alguns galões e uns milhões no bolso, ficando os guineenses à mercê do seguinte ?

 Ou, o Amilcar Cabral nos seus discursos a defender a independência como o caminho da libertação do seu povo que fazia movimentar milhares de homens e mulheres, para a frente de combate, numa luta desigual, certos da vitória final.

Tudo isto se esfumou num ápice. Um regressou à sua terra, o outro foi assassinado. A guerra, essa continuou, mais agressiva, mais mortífera. Tão violenta que mesmo depois de ter acabado e feitas as pazes, milhares de guineenses, acusados de traição, pelos vencedores, foram barbaramente assassinados.

Não tem perdão, quem não teve coragem e força para os proteger. O meu País, a sua Pátria, como orgulhosamente lhe ensinávamos, e eles sentiam, como país pluri-continemtal e pluri-racial. Os novos “senhores” da Guiné, que tanto lutaram pela sua liberdade e a perderam quando não souberam reconhecer como seus irmãos, os guineenses que  se bateram do lado oposto, levados, na sua maioria por uma convicção, injectada nos bancos da escola ou pelos canais da sua história recente que os mais velhos cultivavam, de que eram portugueses e que com Portugal teriam “Uma Guiné melhor.

Agora é tempo de darmos as mãos. De abraçarmos os adversários de outrora, chorarmos os mortos e gritarmos: Guerra, nunca mais.

 

Zé Teixeira